O uso de tricresol formalina e formocresol na endodontia tem sido amplamente debatido e reavaliado ao longo dos anos, principalmente devido às preocupações relacionadas à sua toxicidade, potencial carcinogênico e efeitos adversos. A evolução do conhecimento na área da endodontia, juntamente com o desenvolvimento de novos materiais e técnicas, tem levado a uma reavaliação do uso dessas substâncias. Abaixo, detalho os principais motivos pelos quais o tricresol formalina e o formocresol têm sido menos utilizados ou abandonados na prática endodôntica contemporânea:
1. Toxicidade do formaldeído :
A toxicidade do tricresol formalina e do formocresol, especialmente no que se refere aos seus componentes principais, tricresol e formaldeído, é um aspecto crucial que motivou a reavaliação do seu uso na endodontia. Essas substâncias, quando utilizadas em procedimentos endodônticos, podem exercer efeitos tóxicos tanto nos tecidos locais (periapicais e orais) quanto sistemicamente. Abaixo, detalho mais profundamente os aspectos relacionados à toxicidade desses compostos:
- Irritação Tecidual:
O formaldeído, um dos componentes do formocresol, é um potente irritante tecidual. Sua aplicação pode levar a uma reação inflamatória aguda nos tecidos com os quais entra em contato, resultando em necrose tecidual. Isso pode comprometer a cicatrização e a regeneração dos tecidos periapicais e periodontais.
- Efeitos sobre o Desenvolvimento Radicular:
Em procedimentos de pulpotomia em dentes decíduos, o uso do formocresol tem sido associado a alterações no desenvolvimento radicular dos dentes adjacentes, devido à sua capacidade de difusão através dos tecidos e de induzir alterações celulares.
- Absorção e Distribuição:
Componentes como o formaldeído podem ser absorvidos pelos tecidos e distribuídos sistemicamente através da circulação sanguínea. Isso pode levar a efeitos tóxicos em órgãos distantes, incluindo potenciais efeitos carcinogênicos e mutagênicos.
- Efeitos Respiratórios e Carcinogenicidade:
A exposição ao formaldeído pode provocar irritação das vias respiratórias, com potencial para desencadear reações alérgicas e asmáticas. Além disso, a exposição prolongada tem sido associada a um risco aumentado de câncer, particularmente câncer nasofaríngeo e leucemia, conforme classificação do International Agency for Research on Cancer (IARC).
- Preocupações com a Segurança do Paciente:
A crescente conscientização sobre os riscos associados ao uso de substâncias tóxicas na medicina dentária tem levado profissionais e reguladores a adotar uma abordagem mais cautelosa, priorizando a segurança do paciente.
2. Potencial Carcinogênico:
A preocupação com o potencial carcinogênico do formocresol, particularmente devido à presença de formaldeído em sua composição, é um tema de significativa relevância na endodontia e na medicina dentária como um todo. O formaldeído é um composto químico volátil utilizado em diversas aplicações industriais e biomédicas, incluindo a conservação de espécimes biológicos e como componente de desinfetantes. No contexto da endodontia, o formocresol tem sido empregado historicamente em procedimentos como pulpotomias e na desinfecção de canais radiculares. No entanto, a sua utilização tem sido reavaliada devido às seguintes considerações sobre o seu potencial carcinogênico:
- Classificação pela IARC:
O International Agency for Research on Cancer (IARC), que faz parte da Organização Mundial da Saúde (OMS), classificou o formaldeído como um carcinogênico do Grupo 1, o que significa que há evidências suficientes para considerá-lo carcinogênico para humanos. Esta classificação baseia-se em estudos que demonstram uma associação entre a exposição ao formaldeído e o aumento do risco de câncer, particularmente câncer nasofaríngeo e leucemia.
Mecanismos de Ação
- Efeitos Mutagênicos:
O formaldeído pode causar danos ao DNA, levando a mutações que são um passo crítico no desenvolvimento do câncer. Esses efeitos mutagênicos, juntamente com a capacidade do formaldeído de formar adutos com o DNA, contribuem para o seu potencial carcinogênico.
- Proliferação Celular:
A exposição ao formaldeído pode também induzir a proliferação celular como resposta à toxicidade e ao dano tecidual. Este aumento na proliferação celular pode aumentar a probabilidade de mutações e promover a carcinogênese.
Evidências Epidemiológicas e Experimentais
- Estudos Epidemiológicos:
Diversos estudos epidemiológicos têm investigado a relação entre a exposição ocupacional ao formaldeído e o aumento do risco de câncer. Trabalhadores em indústrias que utilizam formaldeído, bem como profissionais de saúde expostos a desinfetantes contendo formaldeído, apresentaram taxas mais altas de certos tipos de câncer.
- Pesquisas Experimentais:
Estudos experimentais em animais de laboratório expostos ao formaldeído também demonstraram um aumento no risco de desenvolvimento de tumores, fornecendo evidências adicionais do seu potencial carcinogênico.
3. Efeitos Adversos:
O uso dessas substâncias pode levar a uma série de efeitos adversos, incluindo necrose tecidual, reações alérgicas e dor. Além disso, a capacidade desses agentes de provocar uma resposta inflamatória significativa nos tecidos pode comprometer a cicatrização e a regeneração tecidual.
4. Desenvolvimento de Novos Materiais:
A endodontia tem visto o desenvolvimento de novos materiais e soluções mais biocompatíveis, que promovem a cicatrização e regeneração dos tecidos periapicais. Materiais como hidróxido de cálcio, MTA (agregado de trióxido mineral) e biocerâmicos apresentam propriedades antimicrobianas, além de serem menos tóxicos e mais favoráveis à regeneração tecidual.
5. Mudança de Paradigma na Endodontia:
Há uma tendência crescente na endodontia moderna de priorizar a preservação da vitalidade pulpar sempre que possível, utilizando técnicas e materiais que favoreçam a regeneração e a reparação dos tecidos. Isso marca uma mudança de paradigma em relação às abordagens mais invasivas do passado.
6. Regulamentações e Diretrizes:
Organizações profissionais e agências reguladoras em muitos países têm revisado suas diretrizes e recomendações para refletir as preocupações com a segurança e a eficácia dos materiais utilizados na endodontia. Isso tem levado a uma diminuição no uso de substâncias como tricresol formalina e formocresol.
7. Implicações para a Prática Endodôntica
A crescente conscientização sobre os riscos associados ao formaldeído tem levado a uma reavaliação do uso de formocresol na endodontia. A busca por alternativas mais seguras, que não comprometam a saúde do paciente nem apresentem riscos carcinogênicos, tornou-se uma prioridade. Materiais como o hidróxido de cálcio, o MTA (agregado de trióxido mineral) e os biocerâmicos são exemplos de alternativas que oferecem eficácia antimicrobiana e promovem a cicatrização e regeneração tecidual sem os riscos associados ao formocresol.